Nordeste, baião
Qual fogueira de São João
José Nêumanne
O bom pé de serra não morre jamais, como provam novos nomes que tocaram no Ibirapuera
Agora na Secretaria de Cultura de seu Estado, a Paraíba, Chico César, autor de Mama África e outros sucessos do cancioneiro nacional, passou a promover a vinda a São Paulo de vários colegas e grupos para que o Sudeste conheça a prata de sua casa.
Numa noite inesquecível no Auditório do Ibirapuera, onde Osvaldinho do Acordeon emocionou todos, acompanhando o Clã Brasil em Escadaria, o teste fatal do bom sanfoneiro, composta pelo gaúcho Pedro Raimundo e tornada sucesso por Zé Calixto, foi também apresentado o irmão de Zé, Luisinho Calixto, autor de um manual único para ensinar um instrumento de dificílima execução, que é o fole de oito baixos, instrumento que Luiz Gonzaga imortalizou cantando a memória do pai em Respeita Januário.
A noite do Ibirapuera serviu para exibir algumas boas revelações. A primeira delas é que o chamado “forró universitário”, que invadiu os arraiais juninos do interior do Nordeste com o êxito do grupo Fala Mansa, de São Paulo, e o chamado “forró de plástico”, indústria lucrativa do cearense Manuel Gurgel, é alternativo, mas não substituto do chamado “pé de serra”. Trata-se apenas de uma variação bem-sucedida de uma grande invenção de marketing do “Rei do Baião”, que é o forró, gênero assim denominado de uma corruptela da palavra portuguesa forrobodó, sem nada que ver com a expressão for all, usada pelos ingleses que foram ao Nordeste construir ferrovias e, segundo conta a tradição, assim chamavam suas festas. A segunda é que o massacre comercial dessas “corruptelas” da música regional não matou seus talentos, como se chegou a pensar quando grandes artistas do gênero – caso de Antônio Barros, autor de mais de 700 sucessos juninos (como Homem com agá e Por debaixo dos panos, sucessos nacionais na voz de Ney Matogrosso) e sua mulher e parceira, Cecéu – passaram a abrir shows das bandas formadas por profissionais itinerantes e em rodízio sob o poder de Gurgel.
Luisinho Calixto, natural de Campina Grande, Paraíba, e residente em Fortaleza, Ceará, hoje percorre o interior, a partir de Caruaru, Pernambuco, concorrente de sua terra natal na disputa pelo título de “maior São João do mundo” ou do “universo” inteiro, ensinando jovens talentos a tocar o difícil instrumento camponês, que lembra um bandaneón portenho e cujas limitações dificultam o aprendizado e a execução. Trata-se de um mestre itinerante que mantém a tradição que veio de Januário, passou por Abdias e está hoje nas mãos dos irmãos Calixto.
E o Clã Brasil, com graça, alegria e competência musical, prova que o forró não morreu nos palcos do Nordeste e do Brasil. Apesar das dificuldades de transporte, pois o grupo é composto pelo professor universitário Badu, egresso do sertão do Vale do Piancó, sua mulher, Morena, os sobrinhos Fabiane e Francisco e as filhas Lizete, Laryssa e Lucyane (que deixei por último por ser a estrela mais fulgurante da constelação, sanfona e fole à mão), e exige o transporte de 12 pessoas para mostrar a todos “como se canta e dança o forró” com simpatia, luz e energia.
Ao Ibirapuera o Clã Brasil trouxe dois projetos em andamento que resgatam o melhor da música regional nordestina. Num deles, homenageia o classificador de algodão pernambucano que viveu em Campina Grande (onde fazia o programa de rádio Forró de Zé Lagoa) Rosil Cavalcanti, autor de Sebastiana, sucesso de Jackson do Pandeiro) e Tropeiros da Borborema (gravado por Luiz Gonzaga). O objeto da outra homenagem é o Rei do Baião, inventor do trio de sanfona, zabumba e triângulo.
José Nêumanne, poeta, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde.
(Publicado na Pág D6 do Caderno 2+Música do Estado de S. Paulo, sábado 3 de setembro de 2011)